Código do Contencioso Administrativo: um novo horizonte com mais garantias

Código do Contencioso Administrativo: um novo horizonte com mais garantias

Em 4 de setembro passado, foi aprovado o primeiro Código do Contencioso Administrativo no Uruguai, significando um marco na matéria, que repercute de forma substancial sobre a atividade, tanto na via administrativa como a nível jurisdicional.

Código do Contencioso Administrativo: um novo horizonte com mais garantias

Uma mudança histórica está em curso

 

O Uruguai dá um grande passo em direção a um sistema administrativo mais justo e eficiente com a aprovação do seu primeiro Código do Contencioso Administrativo (CCA).

 

Por décadas, o processo administrativo em nosso país foi regido por normativas fragmentadas, com prazos exíguos e procedimentos engenhosos (Decreto 500/991; Decreto Lei Nº15.524 de 1984; Lei Nº20.010 de 2021; Lei Nº15.869 de 1987; e artigo 455 da Lei Nº20.212 de 2023).

 

No entanto, o Uruguai mudou de rumo ao aprovar este novo código, um marco que promete transformar radicalmente a relação entre o Estado e o administrado.

 

O CCA não apenas revoga leis anteriores, mas estabelece um novo paradigma que concede aos administrados mais direitos e prazos mais justos, algo que era urgentemente necessário.

 

Com o CCA, o Uruguai não apenas se alinha com as melhores práticas internacionais, mas também estabelece as bases para um sistema administrativo mais ágil e com mais garantias para o Administrado.

 

Principais modificações do CCA

 

1. Interposição de um recurso administrativo – 10 dias úteis

 

O prazo para a interposição de um recurso administrativo era de 10 dias corridos após a notificação ao Administrado. Isso fazia com que na prática os profissionais optassem por interpor o recurso e fazer uso das disposições do artigo 155 do Decreto 500/991, que implicava, basicamente, adiar os fundamentos para uma etapa posterior e estendendo, em definitivo, o processo administrativo.

 

O CCA introduz uma mudança a esse respeito: não altera a quantidade de dias, mas a forma de contá-los, computando em dias úteis e não mais corridos.

 

2. Demanda de anulação – 90 dias corridos

 

Além disso, o CCA amplia o prazo previsto para apresentar a demanda de anulação, passando o Administrado de ter um prazo de 60 dias corridos a partir do esgotamento da via administrativa, para 90 dias corridos contados a partir desse mesmo momento.

 

3. Urgência – 30 dias corridos

 

Uma verdadeira novidade na matéria é o instituto denominado “Urgência”. Introduzido pelo CCA, permite reabrir o prazo de 90 dias corridos para apresentar a demanda de nulidade.

 

A via administrativa se esgota com a Resolução dos recursos interpostos, ou mediante a denegação ficta, a qual se verifica passados os 150, 200 ou 250 dias corridos dependendo dos recursos interpostos, quando não se tiver proferido Resolução.

 

Com a modificação introduzida pelo CCA, sempre que não tenha sido proferida Resolução pela Administração, nem tenham passado os 2 anos de caducidade, o Administrado poderá fazer uso deste novo instituto, concedendo com isso ao organismo, um prazo máximo de 30 dias corridos a partir do seguinte ao da urgência, para se manifestar. Uma vez vencido esse prazo, reabre-se o prazo de 90 dias corridos para apresentar a demanda de nulidade.

 

4. Audiências por videoconferência

 

Outra das modificações que merece destaque é a possibilidade de realizar audiências por videoconferência, que resolve a problemática daquelas pessoas que por razões de força maior ou por razão de distância, não possam comparecer pessoalmente.

 

5. Ação reparatória em caso de sentença que não decida sobre o mérito

 

Nos casos em que se tenha optado por promover a ação de nulidade, não se poderá propor a ação reparatória até que (i) seja proferida sentença anulando o ato; (ii) seja proferida sentença rejeitando a pretensão de nulidade mas reservando a ação reparatória; ou, e aqui o valioso, (iii) o processo anulatório conclua com a prolação de uma sentença que ponha fim ao processo sem decidir sobre seu objeto principal ou por um modo extraordinário, com a exceção de quando isso ocorra por perempção da instância ou por desistência da pretensão anulatória.

 

Na antiga regulamentação, em uma posição minoritária, a jurisprudência admitia vagamente essa posição: ou seja, que diante de uma sentença do TCA, que nem acolhesse nem rejeitasse a demanda de nulidade - mas que pusesse fim ao processo sem decidir sobre seu objeto principal -, pudesse-se promover uma ação reparatória, interrompendo-se assim o prazo de caducidade contra o Estado.

 

Independentemente dessa posição minoritária, isso não estava previsto de forma expressa pela norma, e agora está.

 

Novas incorporações em matéria de competência

 

Com a implementação do CCA, o Uruguai embarca em uma reorganização significativa de seu sistema judicial, distribuindo as competências entre o Tribunal do Contencioso Administrativo (TCA) e os Juízos Letrados em Contencioso Anulatório (criados pela Lei Nº20.212).

 

Também está prevista a criação do Tribunal de Apelações em Contencioso Anulatório, marcando um avanço crucial na modernização da justiça administrativa.

 

O TCA manterá um papel de destaque ao conhecer em instância única as demandas de nulidade de atos administrativos definitivos que tenham efeitos jurídicos gerais, bem como aquelas questões que escapem à competência dos tribunais inferiores, ou que estejam compreendidas no artigo 313 da Constituição. Isso significa que os casos mais complexos e de maior importância para a sociedade continuarão sendo atendidos por esse organismo.

 

Por sua vez, os Juízos Letrados de Contencioso Anulatório conhecerão em primeira instância das demandas de nulidade de atos administrativos definitivos que produzam efeitos jurídicos particulares; e em instância única das demandas de nulidade de atos administrativos definitivos nos diferentes casos identificados no artigo 21 do CCA, entre eles, quando o montante da questão não exceda 70 UR. Esse enfoque permitirá que os administrados possam recorrer à justiça de maneira mais ágil e acessível, ao mesmo tempo que se otimiza o manejo dos casos menos complexos.

 

Quanto aos recursos de apelação, enquanto não for instalado o Tribunal de Apelações em Contencioso Anulatório, o TCA será o encarregado de revisar as decisões dos Juízos Letrados.

 

Reflexões finais: Um novo horizonte

 

Os prazos administrativos têm sido tradicionalmente um obstáculo para o Administrado, caracterizando-se por sua brevidade que muitas vezes é insuficiente para uma defesa adequada. Em contraste, os processos administrativos tendem a se prolongar excessivamente, seja na via administrativa ou perante o TCA. Essa falta de celeridade deixou os administrados sem as ferramentas necessárias para proteger seus interesses.

 

Sob a antiga regulamentação, as resoluções administrativas muitas vezes se tornam letra morta por serem inaplicáveis, obrigando o Administrado a recorrer ao Juízo Letrado em Contencioso Administrativo para iniciar um novo e também extenso processo conhecido como “Reparatório Patrimonial”. Esse percurso é necessário para finalmente obter o ressarcimento pelos danos sofridos.

 

No entanto, as recentes mudanças oferecem ao Administrado um novo horizonte. Espera-se que esses ajustes não apenas forneçam mais garantias, mas também estabeleçam prazos mais razoáveis para ambas as partes, promovendo um processo mais equilibrado e eficaz.

 

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Montevidéu, 18 de outubro de 2024 - Dra. Esc. Paola Spangenberg

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la autora

ADVOGADA. TABELIÃ - ASSOCIADA

Dra. Esc. Paola Spangenberg

Doutora em Direito e Ciências Sociais e Tabeliã Pública, formada pela Universidade da República. Advogada com especialização em Direito Civil.

Sua prática é focada em Direito Civil, Comercial e Contencioso Administrativo, com ênfase em negociações de disputas pré-litigiosas tanto no âmbito privado quanto público. Destaca-se por...

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