Cheques eletrônicos e digitais: tudo o que você precisa saber sobre o novo regime
Dentro do conjunto de instrumentos de pagamento previstos, os títulos de crédito são - sem dúvida - um dos mais utilizados em nosso país, e especialmente dentro deles, os cheques. O cheque se consolidou por ser um instrumento que oferece confiança e segurança, não apenas pela proteção legal que possui (que permite seu rápido pagamento e, se necessário, o acesso a uma via ágil de execução judicial), mas também por permitir o adiamento do pagamento e/ou sua facilidade de circulação.
Tradicionalmente, a "Lei dos cheques" (Nº 14.412) previa que os cheques circulassem - e fossem cancelados - com suporte essencialmente em papel, identificados como cheque cartular ou físico.
No entanto, com a promulgação da Lei Nº 20.038, regulamentada pela Circular Nº 2436 do Banco Central do Uruguai, são introduzidas duas novas categorias: (i) o cheque eletrônico e (ii) o cheque digital.
i) Cheque eletrônico: é criado, circula e é cancelado eletronicamente, utilizando a assinatura eletrônica avançada como assinatura.
ii) Cheque digital: é criado como cheque cartular ou físico e, após sua criação, é digitalizado por meio de uma digitalização para depósito e pagamento, transformando o cheque em uma imagem digitalizada.
A. Principais aspectos introduzidos pela nova regulamentação.
1. Prevê-se a assinatura eleletrônica avançada para os cheques eletrônicos. Dessa forma, a assinatura do emitente do cheque poderá ser autógrafa ou eletrônica, dependendo se o cheque é cartular ou eletrônico.
2. É admitida a assinatura eletrônica avançada para os endossos.
3. São introduzidas mudanças em relação ao pagamento dos cheques: além da tradicional via de depósito do cheque físico diretamente no Banco, agora também é prevista a possibilidade de fazê-lo enviando a imagem digitalizada de um cheque originalmente cartular/físico ao Banco receptor.
4. Prevê-se que, no caso dos cheques eletrônicos ou digitalizados, o Banco deverá fornecer ao portador do cheque um certificado de rejeição, estabelecendo também o conteúdo mínimo que este deve conter.
Pode ser emitido tanto em suporte papel (e ser assinado com a assinatura autógrafa da pessoa autorizada do Banco receptor), como em suporte digital (devendo ser assinado pelo pessoal autorizado do Banco receptor por meio da assinatura eletrônica avançada). Deve ser emitido no formato escolhido pelo portador do cheque.
5. O cheque digital e eletrônico é incorporado ao conjunto de títulos executivos (que permitem ao portador recorrer a um processo judicial mais ágil para seu pagamento), sendo suficiente o certificado de rejeição emitido pelo Banco.
6. É consagrado o instituto de Compensação e "truncamento de cheques", permitindo a compensação eletrônica entre diferentes bancos quando o cheque:
(a) não foi emitido para pagamento pelo Banco em que é depositado; ou
(b) o cliente autorizado a receber o depósito não tem conta no Banco que deve efetuar o pagamento.
Nesse caso, o Banco receptor do cheque deverá enviar sua imagem digitalizada à entidade que deve efetuar o pagamento.
7. É eliminada a obrigatoriedade de que os cheques (sejam cartulares ou não) devam ter tintas reativas (luz ultravioleta), sendo agora opcional sua inclusão no design.
No entanto, é estabelecido que devem ser incluídos padrões de informação específicos de cada Banco, para facilitar a detecção de tentativas de falsificação e/ou adulteração.
8. É determinado que tanto o cheque cartular quanto o documento físico digitalizado devem ser mantidos e guardados por um período mínimo de 6 meses, contados a partir do vencimento do prazo de apresentação para pagamento.
A imagem digitalizada do cheque também deve ser mantida por um mínimo de 6 meses, mas contados a partir de sua captura.
É importante observar que qualquer um desses prazos será suspenso até que haja uma sentença definitiva quando:
(i) o emitente (sacador) do cheque tiver iniciado uma ação judicial após o pagamento, ou
(ii) o portador do cheque tiver iniciado uma ação judicial após a rejeição do Banco ao pagamento.
Em ambos os casos, cabe ao autor informar ao Banco receptor sobre o início das ações judiciais.
9. Finalmente, é autorizado que as imagens digitalizadas possam ser guardadas por entidades diferentes do Banco receptor. No entanto, o Banco sempre manterá a responsabilidade final pela custódia.
B. Novidades em relação aos serviços das Instituições de Intermediação Financeira ("Instituições").
1. É adicionado um novo serviço: as Instituições podem implementar mecanismos que permitam o envio da imagem digitalizada do cheque cartular para apresentação ao pagamento.
Nesses casos, a imagem digital pode substituir o documento físico (desde que capturado nas condições estabelecidas pelo BCU).
É importante ressaltar que esse novo mecanismo seria um serviço adicional, e não implica de forma alguma que o Banco receptor seja autorizado a deixar de oferecer os canais tradicionais de apresentação ao pagamento.
2. As Instituições receptoras dos cheques devem prever contratualmente com seus clientes as condições para fornecer o serviço de digitalização descentralizada do cheque.
Isso pode ser feito incorporando essas condições ao contrato existente, ou celebrando um específico para essa operação).
A norma especifica alguns elementos, prazos e condições para o envio do documento físico ao Banco receptor, e (iv) processo de atendimento a reclamações.
Além disso, prevê-se que o cliente deverá indicar expressamente que assumirá a responsabilidade civil e penal do depositário enquanto o documento físico estiver sob sua custódia.
Além disso, o Banco receptor poderá concordar que o cliente mantenha o documento físico digitalizado por sua conta e ordem. No entanto, o Banco receptor manterá a responsabilidade pela custódia do documento digitalizado durante o prazo legal de conservação.
Finalmente, a norma estabelece que o contrato deverá estar disponível para o BCU, que poderá solicitar sua modificação caso detecte cláusulas abusivas, pouco claras, imprecisas ou insuficientes nas informações fornecidas.
3. As Instituições devem ter uma política de riscos clara, transparente e acessível em relação a esse tipo de operações.
4. A norma também define as responsabilidades do Banco receptor dos cheques, entre as quais se destacam:
(i) solicitar a seus clientes, conforme apropriado, o envio dos documentos físicos dos cheques digitalizados, quando não os tiverem enviado dentro do prazo acordado contratualmente, e
(ii) emitir os certificados de rejeição dos cheques de acordo com as normas aplicáveis.
5. São previstas e regulamentadas as obrigações e requisitos para a implementação dos cheques digitalizados, destacando-se aqueles relacionados a:
(i) a captura de imagens, não sendo aceito o uso e envio de uma imagem previamente gerada;
(ii) a utilização e transmissão desses instrumentos ao Banco receptor, garantindo o cumprimento dos padrões internacionais aplicáveis;
(iii) as formas de registro de inutilização do cheque cartular, para evitar a circulação do mesmo título de crédito em diferentes formatos.
C. Reflexões finais.
A introdução do cheque eletrônico e digital em nível nacional representa muitas mudanças positivas, sendo indiscutivelmente a principal a simplificação - crescente - dos processos de pagamento, baseando-se em princípios que buscam garantir a segurança e eficiência da tecnologia, sem renunciar à proteção oferecida pelos instrumentos jurídicos aos "mecanismos tradicionais".
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Dra. Carolina Díaz De Armas - Dra. Gabriela Ripoll
Montevidéu, 14 de março de 2024