Negociação coletiva. Revisão do sistema e suas recentes modificações.
CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO DA LEI DE 2009. ASPECTOS QUE DEMANDAVAM SUA REVISÃO.
De maneira geral, a LNC estabelece regras para a fixação de salários mínimos gerais e por categoria, bem como atualizações e ajustes. Também prevê a articulação da negociação coletiva em três níveis.
i. O primeiro nível de negociação é dado pelo Conselho Superior Tripartite (artigo 7), o segundo ocorre nos Conselhos de Salários, organizados por ramos de atividade, e o terceiro é no âmbito bipartite ou empresa. Ocorre entre o empregador e a organização sindical.
ii. Em relação aos salários mínimos e ajustes, o governo é responsável por convocar, apresentar e defender as diretrizes econômicas. Estabelece as diretrizes relativas a prazos e outros elementos da negociação.
iii. As condições de trabalho devem ser negociadas pelos “atores sociais”, ou seja, as organizações profissionais de trabalhadores e empregadores (artigo 12 da LNC). Posteriormente, se houver acordo, o respectivo Conselho adota e incorpora no acordo o que foi negociado, e que será aplicável a todas as empresas do ramo de atividade. Esse efeito “erga omnes” (“aplicável a todos os terceiros”) ocorria (até agora) uma vez que o acordo fosse registrado e publicado pelo Poder Executivo.
iv. Quanto à vigência dos acordos (produto da negociação coletiva), o artigo 17 da norma de 2009 adotava o critério da “ultratividade”, que pode ser definida como a persistência e permanência após o vencimento do prazo, salvo acordo expresso em contrário. Em outras palavras, se não fosse explicitamente acordada a perda de eficácia da parte normativa do acordo, estes mantinham plena vigência e transcendiam, até que um novo acordo os substituísse. Isso gerou inúmeros debates, entre aqueles que entendiam que era uma prática que concedia segurança ao mesmo tempo que permitia pactuar sua revogação (se fosse a vontade das partes), e aqueles que discordavam por entender que isso limitava a liberdade.
v. Por último, especificamente em relação à legitimidade para celebrar acordos coletivos. Em particular, a solução prevista na Lei de 2009 para a negociação na empresa, quando não há organização de trabalhadores. Nesta hipótese, o sujeito habilitado era apenas a organização mais representativa do nível superior. Essa solução era duramente criticada, pois ignorava completamente o direito de negociação do coletivo que não deseja integrar o sindicato de ramo (“liberdade sindical negativa”), por exemplo. Além disso, impunha certa interferência de terceiros alheios à realidade trabalhista da empresa, na negociação do nível mais “íntimo”, que é a bipartite.
Isso significava a impossibilidade de os trabalhadores poderem negociar (coletivamente) com seu empregador na ausência de um sindicato. Imaginemos, por exemplo, o caso de um acordo de redução da jornada como alternativa ao subsídio de desemprego por falta de trabalho. Esse acordo seria válido? A resposta até agora era negativa.
Por sua vez, o funcionamento dos sindicatos como sujeito de direito - diretamente relacionado com suas obrigações e responsabilidades - também precisava ser reconsiderado. Uma vez que não era obrigatório ter personalidade jurídica para as organizações de trabalhadores, aparentemente não poderiam responder por violações de direitos. Deve-se ter em mente que o Convênio Internacional do Trabalho Nº. 87 relativo à liberdade sindical estabelece que, ao exercer os direitos reconhecidos nesse Convênio, “os trabalhadores, os empregadores e suas respectivas organizações estão obrigados, assim como outras pessoas ou coletividades organizadas, a respeitar a legalidade”.
Algo semelhante ocorre em relação ao “dever de negociar de boa fé”. Especificamente no que se refere à troca de informações, a Lei de 2009 não estabelece garantias quanto à confidencialidade no manuseio dessa informação, nem quais seriam as possíveis sanções por seu descumprimento. Isso deve ser pactuado entre as partes, estabelecendo antecipadamente as consequências por sua violação.
Quanto aos aspectos positivos a serem destacados do sistema, é importante notar que parece acertado que as relações coletivas e especialmente a negociação, liberdade sindical e a greve (que historicamente careciam de regulamentação jurídica formal) tenham passado a ser (pelo menos parcialmente) regulamentadas. No entanto, a Lei 18.566 claramente não contou com o consenso de todos os atores sociais, constituindo isso ao longo dos anos uma fraqueza do sistema. De fato, a norma foi promulgada sem considerar uma das partes (empregadores), que não foi consultada nem participou da elaboração do texto.
MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA NOVA LEI
A norma precisava então ser revisada para atender ao interesse de todas as partes (é claro que sempre existem e existirão as desigualdades que caracterizam as relações trabalhistas). Finalmente, agora foi adaptada, seguindo algumas das observações do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho.
Essencialmente, a norma aprovada no mês passado (Lei Nº 20.145) estabelece cinco mudanças na Lei de Negociação Coletiva, algumas delas com um enorme peso e significado para as relações trabalhistas coletivas:
I. Troca de informações durante o processo de negociação coletiva. Personalidade jurídica dos sindicatos:
Para trocar informações necessárias no âmbito da negociação coletiva (dados financeiros, por exemplo), a norma já havia previsto (como dissemos) a obrigação de sigilo em relação a informações confidenciais e a responsabilidade por descumprimento (no artigo 4). No entanto, agora foi adicionado um parágrafo estabelecendo que, para essa troca, as organizações (ambas) devem ter personalidade jurídica. Esse requisito busca garantir a responsabilidade da organização em caso de descumprimento do dever de sigilo em relação às informações confidenciais compartilhadas.
II. Revogação de uma das competências do Conselho Superior Tripartite:
Foi revogada sua competência para fixar o nível em que as partes negociariam. Com isso, restabelece-se a liberdade de que a determinação do nível de negociação dependa inteiramente da vontade dos atores sociais.
III. Eliminação da obrigação de negociar com o sindicato de nível superior na ausência de sindicato de empresa:
Como analisado, esta era uma das maiores fraquezas do sistema de negociação coletiva da Lei de 2009. Com sua modificação, os trabalhadores de forma coletiva (ainda sem organização sindical) poderão finalmente negociar diretamente com seu empregador na empresa, sem interferência dos sindicatos de ramo de atividade. Em última análise, a nova norma agora possibilita que, se o sindicato de ramo não tiver representação na empresa, seus trabalhadores possam negociar um acordo coletivo designando seus representantes. Neste ponto, deve-se mencionar que esse eventual acordo em nenhum caso poderia estabelecer condições inferiores às consagradas nos laudos e acordos acordados no Conselho de Salários do setor.
IV. Vigência do acordo coletivo. Revogação da “Ultraatividade” por defeito:
Foi revogado o artigo 17 da Lei Nº 18.566 que estabelecia a “ultratividade” dos acordos coletivos. A duração ou prazo dos futuros acordos passa a ser um aspecto exclusivamente das partes. Se for acordado um prazo de vigência, o acordo expirará no final deste, a menos que as partes acordem expressamente sua prorrogação. Foi revertido o princípio que regia na norma anterior (se as partes nada diziam, entendia-se prorrogado até que um novo acordo o substituísse).
V. Obrigação da publicidade do Acordo:
Por último, a Lei esclarece que o processo de registro e publicação no Diário Oficial dos acordos coletivos e outras resoluções adotadas pelos Conselhos de Salários não constitui requisito de autorização, homologação e/ou aprovação do Poder Executivo. Isso está de acordo com o que a doutrina tem apontado repetidamente, em relação à inexistência do Instituto da homologação dos acordos coletivos e resulta em um acordo podendo entrar em vigor (com vigência em todo o território nacional) mesmo sem a homologação do MTSS.
Montevidéu, julho de 2023.